Mostrando postagens com marcador André Luiz Davila. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador André Luiz Davila. Mostrar todas as postagens

5 de fevereiro de 2022

DESDE QUE SEJAM PRETOS- André Luiz Davila

 DESDE QUE SEJAM PRETOS

André Luiz Davila

O açoite é corretivo,
Desde que seja nos pretos!
O açoite é pedagógico,
Desde que seja nos pretos!
O açoite é legítimo,
Desde que seja nos pretos!
A bala perdida é um acidente,
Desde que atinja um preto!
O esculacho é livre,
Desde que descarregado em um preto!
A fome negra é invisível,
Porque negra é a cor dos pretos!
Os pretos são livres,
Livres para morrer como pretos!
Africanos, latinos, norte-americanos,
Pretos são sempre pretos!
O joelho do policial pode asfixiar,
Desde que esteja no pescoço de um preto!
Os capitães do mato podem caçar,
Desde que a caça seja preta!
As cadeias podem lotar,
Desde que superlotadas de pretos!
Preto aqui tem várias cores:
Preto, pobre, favelado, mulher, gay, trans...
Petrópolis, verão bárbaro de 2022.

André Luiz Davila é filósofo, poeta, professor, primo e padrinho do meu filho- mas, acima de tudo, é um grande humanista.

2 de outubro de 2018

Vocação para o atraso

VOCAÇÃO PARA O ATRASO
André Luiz Davila
O Brasil caminha a passos largos em direção ao passado e a prova disso são os dois candidatos mais bem colocados na corrida presencial. Os dois representam um Brasil que não deu certo, mas que continua preso nas suas convicções. Um Brasil que estacionou nos séculos XIX e XX e é uma espécie Jano, cujos olhos que miram para frente estão vendados.
O Brasil desperdiça suas oportunidades e continua até hoje como grande exportador de matéria prima e commodities de uma forma geral. Temos uma indústria automobilística instalada no país e não temos uma indústria nacional, diferentemente da Coréia, China, Índia... O modelo da indústria já está mudando e nós apenas “montamos” carros.
Idem para produtos de tecnologia, onde Coréia e China despontam com indústrias sólidas e de Classe mundial. Mais uma vez a nossa economia fechada não desenvolveu tecnologia e continuamos nos minérios, no boi e na soja...
Se já havíamos perdido o “bonde da história”, hoje estamos a perder o “trem bala” da história. E, mesmo assim, tentam nos vender a utopia socialista de um lado e a barbárie do discurso nacionalista e truculento do outro. Engana-se quem imagina que a escolha é entre socialismo ou barbárie. O embate é entre a distopia, que desmoronou com o muro de Berlim e da URSS, e o niilismo, que se manifesta na descrença do eleitor com a prática da política, da democracia, da justiça e das demais instituições.
As forças que orbitam em torno das candidaturas dos dois melhores colocados são a cara do retrocesso: de um lado uma elite de funcionários públicos, burocratas, sindicalistas, intelectuais descolados da realidade do Brasil e do Mundo e coronéis da política tradicional. Do outro lado, grandes produtores rurais, lobistas da indústria de armas, pastores neopentecostais, falsos liberais, misóginos, homofóbicos, racistas e apoiadores da tortura, da ditadura e que revelam um profundo desprezo pela história e pelas minorias.
Vivemos um momento de transformações profundas no Mundo. A disrupção tecnológica irá, num primeiro momento, causar uma onda de desemprego em massa. O modelo educacional precisa ser modificado radicalmente e o investimento na educação básica precisa ser vista como política de Estado e não de governo. A expectativa de vida aumenta (no nosso país de dimensões continentais há uma grande variação por região e atividade) e a previdência necessita ser reformada, pois a conta realmente não irá fechar. O Brasil precisa abrir sua economia para o mundo, facilitar a vida do Cidadão, diminuir o tamanho e a fome do Estado, cortar na carne os privilégios dos três poderes (abrir a caixa preta do judiciário), recolocar a República em ordem e reequilibrar os três poderes, promover o empreendedorismo e destravar os processos que impedem a geração e circulação de riquezas. Além disso, precisa ter os olhos voltados para aqueles que já não acompanham tais mudanças, criando uma rede de proteção social para que injustiças não se perpetuem.
Os desafios são enormes e é triste ver que as opções que temos hoje são a distopia e o niilismo. 
André Luiz Davila é filósofo.
Blog do Barão- Brasil atrasado

17 de abril de 2016

Um texto brilhante: CRISE DE IDENTIDADE- André Luiz Davila

Um texto brilhante: CRISE DE IDENTIDADE-  André Luiz Davila
CRISE DE IDENTIDADE 
André Luiz Davila

Vivo um momento de crise de identidade. Uma crise de identidade bastante diferente, pois sei quem eu sou. Como Sócrates, também sigo a inscrição do pórtico do oráculo de Delfos: “- conhece-te a ti mesmo”. Há muito tempo sou um caçador de mim, em busca da minha identidade, da minha maioridade existencial, da minha liberdade e, inspirado em Morin, na minha auto-ética. Aliás, fazendo ume pequena digressão pois esse assunto é para uma outra reflexão, quanto mais minha (auto)ética se funda, mais imoral eu fico.
Minha crise de identidade decorre não da forma como me vejo, mas de como alguns amigos me enxergam nas redes sociais. Dependendo do que posto, ora sou coxinha, ora sou petralha. Quando isso acontece, sinto-me uma espécie de Meursault no tribunal das redes sociais. Sou um estrangeiro de mim mesmo, pois não me reconheço nos adjetivos que os amigos me colocam. Quem serei eu nas redes sociais? Sou coxinha ou sou Petralha? Volto ao personagem de Camus para reivindicar o direito de ser livre, de pensar livremente e não ser julgado pelas convenções que esse pobre debate político estabeleceu. Não estamos em um jogo de futebol, onde você tem que torcer por um e contra outro time.
Quando denuncio as lambanças do PT, sou coxinha. Quando digo que não foi o PT quem inaugurou a corrupção e que há uma complacência da mídia com o PSDB, sou invariavelmente acusado de ser Petralha, Bolivariano e comunista. Umberto Eco, pouco antes de morrer, ao falar sobre a imbecilidade predominante nas redes sociais, deu a seguinte declaração: “Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Não há como discordar. A rede social – com a ajuda da grande mídia institucionalizada, que deu espaço para pessoas como o Rodrigo Constantino e o Kim Kataguiri. São repetidores de chavões e péssimos escritores, falta-lhes estrada e bunda na cadeira para estudar sobre o que falam – deu voz a algozes e juízes. Todos têm uma opinião formada e a capacidade de julgar. Não há espaço para o diálogo e o contraditório. As mídias sociais – com a voz dos imbecis – mataram a dialética, todos têm uma tese mas detestam confrontá-la com uma antítese. A síntese morreu, trocamos o debate pelo embate. O Chico é de esquerda? Então sua obra não presta e ele pega financiamento da lei Rouanet (coisa que ele nunca fez)! O Hélio Bicudo está contra o PT? Ora, na verdade ele nunca foi fundador e tampouco um petista autêntico. Está gagá. Enfim, o embate fica preso ao campo da baixaria cuja principal arma é a desqualificação. A vida se resume em escolher entre um prato de coxinhas ou um sanduíche de mortadela.
Hoje, 17/04, o congresso estará votando o processo de impeachment da Presidente. Seus algozes são traidores e acusados de corrupção. O impeachment da presidente, da forma como foi conduzido e está sendo votado é golpe e fico muito admirado que grande parcela da população brasileira apoie essa medida sem avaliar os riscos de termos o Eduardo Cunha como o segundo homem da República. O problema do país está no modelo político, que sempre deixará o mandatário da República frágil diante de um congresso clientelista. As pedras de hoje são as vidraças amanhã. Por isso, reafirmo sem medo do contraditório: esse impeachment é golpe (alguns amigos estarão me odiando agora).
Dito isso, vamos ao lado prático do que está acontecendo, que é muito grave e traz consequências perversas para a população em geral: o governo Dilma acabou! Não há qualquer condição de recuperação da governabilidade. O governo acabou pela má condução da economia e a falta de ajustes antes da reeleição, pelo discurso contraditório entre o primeiro e o segundo governo, pela falta de diálogo político e diálogo com a sociedade e, principalmente, pela forma como o PT comportou-se no poder. 
O esgotamento do governo Dilma revela também o esgotamento do modelo político brasileiro. Lembro-me que o PMDB e seus principais personagens sempre estiveram na cena política brasileira, desde a redemocratização. No governo Sarney, um deputado – não me recordo o nome – repetiu o bordão franciscano - é dando que se recebe! – para traduzir a relação entre o parlamento e o poder executivo. Para garantir o quinto ano de mandato – e comemorar o centenário da república - , Sarney distribuiu concessões de rádio e televisão para os congressistas. No governo Collor, assim como hoje, a grande questão foi o caixa dois e as sobras de campanha. O presidente do PRN, partido do Collor, era Renan Calheiros. No governo FHC, cujo líder do governo na câmara foi Michel Temer e o Renan Calheiros foi seu ministro da justiça – tivemos sobras de campanha, a origem do mensalão, a compra de votos para a reeleição e algumas privatizações que, embora necessárias, foram feitas de forma escandalosa e lesivas aos cofres públicos. Por fim, no governo Lula, apesar de uma preocupação social, os métodos sujos continuaram, acentuados pelo fetiche de uma esquerda ultrapassada pela tomada e manutenção do poder.
Acredito que continuarei, sob a vista dos outros, em uma crise de identidade, sendo julgado como Meursault. Sou estrangeiro de mim mesmo para quem não aceita o debate e está querendo somente julgar. Esse é o preço que pago por pensar com liberdade. Alguns lerão esse texto e me chamarão de coxinha; outros me chamarão de petralha. Também haverá os que irão dizer que estou em cima do muro. Não, não estou em cima do muro. Acredito apenas que, qualquer que seja o resultado do golpe, o país sairá perdendo.
Petrópolis, outono de 2016