Mostrando postagens com marcador conto. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador conto. Mostrar todas as postagens

18 de fevereiro de 2020

"Cada qual com sua quimera", um conto premonitório de Charles Baudelaire

"Cada qual com sua quimera” 
“Sob um grande céu cinzento, em uma grande planície sem sendas, sem relva, sem um cardo, sem uma urtiga, encontrei vários homens que caminhavam encurvados.
“Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou carvão, ou a mochila de soldados da infantaria romana.
“Mas o monstruoso animal não era um peso morto; ao contrário, ele cingia e oprimia o homem com seus músculos elásticos e poderosos. Ele atrelava-se ao peito de sua montaria com suas duas grandes garras, e sua cabeça fabulosa elevava-se acima da fronte do homem, como um desses horrendos capacetes com os quais os antigos guerreiros pretendiam ampliar o terror do inimigo.
“Interroguei um desses homens, perguntando-lhe para onde ia daquele modo. Ele disse que não sabia; nem os demais. Mas, obviamente, eles iam a algum lugar, porquanto eram impelidos por uma necessidade invencível de andar.
“Observação curiosa: nenhum daqueles viajantes parecia irritar-se com a besta feroz pendurada em seu pescoço e agarrada às suas costas. Poderíamos dizer que eles as consideravam partes de si mesmos. Todos esses rostos cansados e circunspectos não exibiam qualquer desespero. Sob a cúpula melancólica do céu, os pés imersos na poeira do chão tão desolado quanto aquele firmamento, caminhavam com o semblante resignado dos que foram condenados a esperar para sempre. E o séquito passou junto a mim e mergulhou na atmosfera do horizonte, no ponto em que a superfície recurva do planeta se esquiva à curiosidade do olhar humano. E por uns instantes eu me obstinei em penetrar naquele mistério; mas logo uma indiferença irresistível caiu sobre mim e me quedei ainda mais pesadamente oprimido do que eles mesmos por suas esmagadoras Quimeras.” Charles Baudelaire 
Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) foi um poeta boémio, dandy, flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas.
Neste pequeno conto, o genial Charles Baudelaire como que pressente as Quimeras que começaram a ser gestadas no seu século XIX e vão produzir milhões de mortos no século XX. As Quimeras do totalitarismo, que tiveram seu ápice com a ascensão do comunismo na extinta URSS e do nazismo na Alemanha. Triste, é estar em pleno Século XXI e ter de conviver com os fantasmas das Quimeras totalitárias, que continuam a nos rondar sorrateiramente. Com nossa indolente complacência, a mesma dos personagens de Baudelaire em seu opúsculo. Zatonio Lahud

quimera

Significado de Quimera

substantivo femininoSonho; resultado da imaginação que tende a não se realizar.Mitologia. Monstro mitológico caracterizado por possuir cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.
"Cada qual com sua quimera”   “Sob um grande céu cinzento, em uma grande planície sem sendas, sem relva, sem um cardo, sem uma urtiga, encontrei vários homens que caminhavam encurvados.  “Cada um deles carregava nas costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou carvão, ou a mochila de soldados da infantaria romana.  “Mas o monstruoso animal não era um peso morto; ao contrário, ele cingia e oprimia o homem com seus músculos elásticos e poderosos. Ele atrelava-se ao peito de sua montaria com suas duas grandes garras, e sua cabeça fabulosa elevava-se acima da fronte do homem, como um desses horrendos capacetes com os quais os antigos guerreiros pretendiam ampliar o terror do inimigo.  “Interroguei um desses homens, perguntando-lhe para onde ia daquele modo. Ele disse que não sabia; nem os demais. Mas, obviamente, eles iam a algum lugar, porquanto eram impelidos por uma necessidade invencível de andar.  “Observação curiosa: nenhum daqueles viajantes parecia irritar-se com a besta feroz pendurada em seu pescoço e agarrada às suas costas. Poderíamos dizer que eles as consideravam partes de si mesmos. Todos esses rostos cansados e circunspectos não exibiam qualquer desespero. Sob a cúpula melancólica do céu, os pés imersos na poeira do chão tão desolado quanto aquele firmamento, caminhavam com o semblante resignado dos que foram condenados a esperar para sempre. E o séquito passou junto a mim e mergulhou na atmosfera do horizonte, no ponto em que a superfície recurva do planeta se esquiva à curiosidade do olhar humano. E por uns instantes eu me obstinei em penetrar naquele mistério; mas logo uma indiferença irresistível caiu sobre mim e me quedei ainda mais pesadamente oprimido do que eles mesmos por suas esmagadoras Quimeras.” Charles Baudelaire   Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) foi um poeta boémio, dandy, flâneur e teórico da arte francesa. É considerado um dos precursores do simbolismo e reconhecido internacionalmente como o fundador da tradição moderna em poesia, juntamente com Walt Whitman, embora tenha se relacionado com diversas escolas artísticas.  Neste pequeno conto, o genial Charles Baudelaire, como que pressente as Quimeras que começaram a ser gestadas no seu século XIX e vão produzir milhões de mortos no século XX. As Quimeras do totalitarismo, que tiveram seu ápice com a ascensão do comunismo na extinta URSS e o nazismo na Alemanha. Zatonio Lahud




16 de janeiro de 2014

Errei a vírgula, perdi o ponto e virei desencontro

Perdi o ponto e virei desencontro
"Quem conta um conto aumenta um ponto", mas se quiser um bom conto, é bom que aumente o conto com os pontos, as vírgulas, os parágrafos...
E não faça desconto, conte o conto com volúpia, como quem canta com o mesmo encanto que em um canto qualquer, alguém, sabe-se lá os motivos, escreve um conto.
Um sonho, um conto; um amor, um conto; uma dor, um conto. Tudo é conto. Menos eu, que nada conto. Errei a vírgula, perdi o ponto e virei desencontro.