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14 de novembro de 2012

Em defesa das migalhas


 Em defesa das migalhas

Por ter sempre sido uma pessoa que não tinha outra maneira de sobreviver se não fosse contentando-me com migalhas, 
criei um carinho muito especial por elas e lanço-me aqui em sua defesa. 
É certo que tudo pelo que passamos contribui para nos fortalecer e definir nosso papel no mundo. 
E é aí que entram as migalhas. Parece que não, mas elas nos fortalecem.

Há sempre um tom pejorativo em volta do termo "migalhas". 
Todos possuem uma ideia muito negativa a respeito delas. 
Mas não é bem assim.

Devemos prestar mais atenção às nossas pequenas e insignificantes conquistas do dia a dia. 
Graças a elas conseguimos caminhar e chegar aonde estamos. 
Quando se é pequeno, literalmente falando, são as pequenices da vida que nos enchem o coração de alegria. 
Quer coisa mais sublime do que ouvir uma história bem contada? Rir de uma piada boba?
Do que dar vida a uma página em branco com uma caixa de lápis de cor? 
Do que ter a profissão dos seus sonhos concretizada em uma tarde, enquanto se dá aula de Português para bonecas ou se brinca de Miss Brasil?

Mas não falo apenas de coisas concretas. 
Quero defender também as migalhas emocionais. 
O pouquinho de amor e atenção que nos deixam felizes no cotidiano e que costumamos relegar ao segundo plano.
O abraço do amigo. O "muito bem" do professor. O sorriso rápido do pseudo-paquera. O cheirinho de roupa limpa.

Fui uma criança que sobreviveu de migalhas. 
Emocionais e materiais. 
A princípio parece uma coisa triste. 
E é. Recolhia cacos. 
Passei muitos momentos de privação. 
Sentia-me triste e solitária. 
Mas é inerente ao ser humano a necessidade de sobreviver. 
E fomos dotados de pensamentos e emoções que nos ajudam nessa tarefa diária. 
Muitas vezes isso sucumbe à realidade de tocar a vida. 

Mas por que falo disso? Ah, sim, por causa das migalhas.
Não nos damos conta num primeiro momento de como migalhas são importantes. 
Apesar de com certeza já termos ouvido ou pensado o contrário. 
Quem nunca ouviu o ditado: "de grão em grão a galinha enche o papo"?
E é assim mesmo. É um pouco aqui e um pouco ali. 
E ao longo da vida, as migalhas acumuladas vão formando um "muito". 

Ter essa percepção faz com que eu agora olhe para trás e sinta um carinho especial pelas minhas pequenas grandes miudezas. 
Felizmente, embora envergonhada, tive a humildade de acolhê-las. 
Por inúmeras vezes senti-me inferior ao perceber que muitas pessoas que conviviam comigo as ignoravam por completo. 
Com certeza, pensava eu, por sentirem que delas não precisavam. 
Arrogância de gente confiante. 
E eu ali, a recolher meus caquinhos. Uma verdadeira mendiga de emoções.

Mas a vida mostrou o contrário. 
Hoje, com certa tristeza, me dou conta de que muitas daquelas pessoas possuem um saco cheio de vazio.
Já o meu, está cheio. De migalhas. De pequenices. De miudezas. 
É a minha caderneta de poupança de vida, que agora transborda de lembranças coloridas. 
São meu orgulho e a certeza de que valeu a pena recolhê-las e guardá-las com carinho.

Quer um conselho? Elas ainda abundam por aí.
(Abundam... Palavra feia, né? Mas no momento ela é mais-que-perfeita!) 
Ainda há tempo de sair recolhendo-as. 
Elas são o nosso feijão com arroz de cada dia. O que nos fortalece para irmos à luta em busca do resto do pão. 
Se há migalhas, é porque certamente haverá um pão inteiro nas proximidades. 
Elas são pistas de que algo maior nos ronda e nos preparam para abocanhá-lo. 
Portanto, procure. Fuce. Vasculhe. Garimpe. E não deixe nada passar despercebido.
Aprenda apenas a separar o que é reciclável do descartável.
Boas migalhas pra você!

Silvia Britto                 Primavera de 2011