CRISE DE IDENTIDADE
André Luiz Davila
Vivo um momento de crise de identidade. Uma crise de identidade bastante diferente, pois sei quem eu sou. Como Sócrates, também sigo a inscrição do pórtico do oráculo de Delfos: “- conhece-te a ti mesmo”. Há muito tempo sou um caçador de mim, em busca da minha identidade, da minha maioridade existencial, da minha liberdade e, inspirado em Morin, na minha auto-ética. Aliás, fazendo ume pequena digressão pois esse assunto é para uma outra reflexão, quanto mais minha (auto)ética se funda, mais imoral eu fico.
Minha crise de identidade decorre não da forma como me vejo, mas de como alguns amigos me enxergam nas redes sociais. Dependendo do que posto, ora sou coxinha, ora sou petralha. Quando isso acontece, sinto-me uma espécie de Meursault no tribunal das redes sociais. Sou um estrangeiro de mim mesmo, pois não me reconheço nos adjetivos que os amigos me colocam. Quem serei eu nas redes sociais? Sou coxinha ou sou Petralha? Volto ao personagem de Camus para reivindicar o direito de ser livre, de pensar livremente e não ser julgado pelas convenções que esse pobre debate político estabeleceu. Não estamos em um jogo de futebol, onde você tem que torcer por um e contra outro time.
Quando denuncio as lambanças do PT, sou coxinha. Quando digo que não foi o PT quem inaugurou a corrupção e que há uma complacência da mídia com o PSDB, sou invariavelmente acusado de ser Petralha, Bolivariano e comunista. Umberto Eco, pouco antes de morrer, ao falar sobre a imbecilidade predominante nas redes sociais, deu a seguinte declaração: “Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Não há como discordar. A rede social – com a ajuda da grande mídia institucionalizada, que deu espaço para pessoas como o Rodrigo Constantino e o Kim Kataguiri. São repetidores de chavões e péssimos escritores, falta-lhes estrada e bunda na cadeira para estudar sobre o que falam – deu voz a algozes e juízes. Todos têm uma opinião formada e a capacidade de julgar. Não há espaço para o diálogo e o contraditório. As mídias sociais – com a voz dos imbecis – mataram a dialética, todos têm uma tese mas detestam confrontá-la com uma antítese. A síntese morreu, trocamos o debate pelo embate. O Chico é de esquerda? Então sua obra não presta e ele pega financiamento da lei Rouanet (coisa que ele nunca fez)! O Hélio Bicudo está contra o PT? Ora, na verdade ele nunca foi fundador e tampouco um petista autêntico. Está gagá. Enfim, o embate fica preso ao campo da baixaria cuja principal arma é a desqualificação. A vida se resume em escolher entre um prato de coxinhas ou um sanduíche de mortadela.
Hoje, 17/04, o congresso estará votando o processo de impeachment da Presidente. Seus algozes são traidores e acusados de corrupção. O impeachment da presidente, da forma como foi conduzido e está sendo votado é golpe e fico muito admirado que grande parcela da população brasileira apoie essa medida sem avaliar os riscos de termos o Eduardo Cunha como o segundo homem da República. O problema do país está no modelo político, que sempre deixará o mandatário da República frágil diante de um congresso clientelista. As pedras de hoje são as vidraças amanhã. Por isso, reafirmo sem medo do contraditório: esse impeachment é golpe (alguns amigos estarão me odiando agora).
Dito isso, vamos ao lado prático do que está acontecendo, que é muito grave e traz consequências perversas para a população em geral: o governo Dilma acabou! Não há qualquer condição de recuperação da governabilidade. O governo acabou pela má condução da economia e a falta de ajustes antes da reeleição, pelo discurso contraditório entre o primeiro e o segundo governo, pela falta de diálogo político e diálogo com a sociedade e, principalmente, pela forma como o PT comportou-se no poder.
O esgotamento do governo Dilma revela também o esgotamento do modelo político brasileiro. Lembro-me que o PMDB e seus principais personagens sempre estiveram na cena política brasileira, desde a redemocratização. No governo Sarney, um deputado – não me recordo o nome – repetiu o bordão franciscano - é dando que se recebe! – para traduzir a relação entre o parlamento e o poder executivo. Para garantir o quinto ano de mandato – e comemorar o centenário da república - , Sarney distribuiu concessões de rádio e televisão para os congressistas. No governo Collor, assim como hoje, a grande questão foi o caixa dois e as sobras de campanha. O presidente do PRN, partido do Collor, era Renan Calheiros. No governo FHC, cujo líder do governo na câmara foi Michel Temer e o Renan Calheiros foi seu ministro da justiça – tivemos sobras de campanha, a origem do mensalão, a compra de votos para a reeleição e algumas privatizações que, embora necessárias, foram feitas de forma escandalosa e lesivas aos cofres públicos. Por fim, no governo Lula, apesar de uma preocupação social, os métodos sujos continuaram, acentuados pelo fetiche de uma esquerda ultrapassada pela tomada e manutenção do poder.
Acredito que continuarei, sob a vista dos outros, em uma crise de identidade, sendo julgado como Meursault. Sou estrangeiro de mim mesmo para quem não aceita o debate e está querendo somente julgar. Esse é o preço que pago por pensar com liberdade. Alguns lerão esse texto e me chamarão de coxinha; outros me chamarão de petralha. Também haverá os que irão dizer que estou em cima do muro. Não, não estou em cima do muro. Acredito apenas que, qualquer que seja o resultado do golpe, o país sairá perdendo.
Petrópolis, outono de 2016
André Luiz Davila
Vivo um momento de crise de identidade. Uma crise de identidade bastante diferente, pois sei quem eu sou. Como Sócrates, também sigo a inscrição do pórtico do oráculo de Delfos: “- conhece-te a ti mesmo”. Há muito tempo sou um caçador de mim, em busca da minha identidade, da minha maioridade existencial, da minha liberdade e, inspirado em Morin, na minha auto-ética. Aliás, fazendo ume pequena digressão pois esse assunto é para uma outra reflexão, quanto mais minha (auto)ética se funda, mais imoral eu fico.
Minha crise de identidade decorre não da forma como me vejo, mas de como alguns amigos me enxergam nas redes sociais. Dependendo do que posto, ora sou coxinha, ora sou petralha. Quando isso acontece, sinto-me uma espécie de Meursault no tribunal das redes sociais. Sou um estrangeiro de mim mesmo, pois não me reconheço nos adjetivos que os amigos me colocam. Quem serei eu nas redes sociais? Sou coxinha ou sou Petralha? Volto ao personagem de Camus para reivindicar o direito de ser livre, de pensar livremente e não ser julgado pelas convenções que esse pobre debate político estabeleceu. Não estamos em um jogo de futebol, onde você tem que torcer por um e contra outro time.
Quando denuncio as lambanças do PT, sou coxinha. Quando digo que não foi o PT quem inaugurou a corrupção e que há uma complacência da mídia com o PSDB, sou invariavelmente acusado de ser Petralha, Bolivariano e comunista. Umberto Eco, pouco antes de morrer, ao falar sobre a imbecilidade predominante nas redes sociais, deu a seguinte declaração: “Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Não há como discordar. A rede social – com a ajuda da grande mídia institucionalizada, que deu espaço para pessoas como o Rodrigo Constantino e o Kim Kataguiri. São repetidores de chavões e péssimos escritores, falta-lhes estrada e bunda na cadeira para estudar sobre o que falam – deu voz a algozes e juízes. Todos têm uma opinião formada e a capacidade de julgar. Não há espaço para o diálogo e o contraditório. As mídias sociais – com a voz dos imbecis – mataram a dialética, todos têm uma tese mas detestam confrontá-la com uma antítese. A síntese morreu, trocamos o debate pelo embate. O Chico é de esquerda? Então sua obra não presta e ele pega financiamento da lei Rouanet (coisa que ele nunca fez)! O Hélio Bicudo está contra o PT? Ora, na verdade ele nunca foi fundador e tampouco um petista autêntico. Está gagá. Enfim, o embate fica preso ao campo da baixaria cuja principal arma é a desqualificação. A vida se resume em escolher entre um prato de coxinhas ou um sanduíche de mortadela.
Hoje, 17/04, o congresso estará votando o processo de impeachment da Presidente. Seus algozes são traidores e acusados de corrupção. O impeachment da presidente, da forma como foi conduzido e está sendo votado é golpe e fico muito admirado que grande parcela da população brasileira apoie essa medida sem avaliar os riscos de termos o Eduardo Cunha como o segundo homem da República. O problema do país está no modelo político, que sempre deixará o mandatário da República frágil diante de um congresso clientelista. As pedras de hoje são as vidraças amanhã. Por isso, reafirmo sem medo do contraditório: esse impeachment é golpe (alguns amigos estarão me odiando agora).
Dito isso, vamos ao lado prático do que está acontecendo, que é muito grave e traz consequências perversas para a população em geral: o governo Dilma acabou! Não há qualquer condição de recuperação da governabilidade. O governo acabou pela má condução da economia e a falta de ajustes antes da reeleição, pelo discurso contraditório entre o primeiro e o segundo governo, pela falta de diálogo político e diálogo com a sociedade e, principalmente, pela forma como o PT comportou-se no poder.
O esgotamento do governo Dilma revela também o esgotamento do modelo político brasileiro. Lembro-me que o PMDB e seus principais personagens sempre estiveram na cena política brasileira, desde a redemocratização. No governo Sarney, um deputado – não me recordo o nome – repetiu o bordão franciscano - é dando que se recebe! – para traduzir a relação entre o parlamento e o poder executivo. Para garantir o quinto ano de mandato – e comemorar o centenário da república - , Sarney distribuiu concessões de rádio e televisão para os congressistas. No governo Collor, assim como hoje, a grande questão foi o caixa dois e as sobras de campanha. O presidente do PRN, partido do Collor, era Renan Calheiros. No governo FHC, cujo líder do governo na câmara foi Michel Temer e o Renan Calheiros foi seu ministro da justiça – tivemos sobras de campanha, a origem do mensalão, a compra de votos para a reeleição e algumas privatizações que, embora necessárias, foram feitas de forma escandalosa e lesivas aos cofres públicos. Por fim, no governo Lula, apesar de uma preocupação social, os métodos sujos continuaram, acentuados pelo fetiche de uma esquerda ultrapassada pela tomada e manutenção do poder.
Acredito que continuarei, sob a vista dos outros, em uma crise de identidade, sendo julgado como Meursault. Sou estrangeiro de mim mesmo para quem não aceita o debate e está querendo somente julgar. Esse é o preço que pago por pensar com liberdade. Alguns lerão esse texto e me chamarão de coxinha; outros me chamarão de petralha. Também haverá os que irão dizer que estou em cima do muro. Não, não estou em cima do muro. Acredito apenas que, qualquer que seja o resultado do golpe, o país sairá perdendo.
Petrópolis, outono de 2016