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27 de janeiro de 2021

Quando eu morrer- Maria do Rosário Pedreira

 Quando eu morrer

Maria do Rosário Pedreira
Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa
que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me
a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.
Maria do Rosário Pedreira (1959) é editora e escritora. Desempenha actualmente funções no grupo Leya, depois de ter passado pela editora QuidNovi, pela Temas & Debates e pela Gradiva.

10 de julho de 2020

Fumo- Florberla Espanca ❤️❤️💔💔❣️

Fumo
Florbela Espanca
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas;
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Florbela Espanca (1894-1930), batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa.
❤️❤️💔💔❣️

29 de abril de 2019

Soneto de amor- José Régio

Soneto de amor
José Régio
Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!
José Régio (1901-1969, pseudônimo de José Maria dos Reis Pereira, foi um escritor português que viveu grande parte da sua vida na cidade de Portalegre.

9 de março de 2018

A Hora da Partida- Sofhia de Mello Andresen

A hora da partida soa quando 
Escurece o jardim e o vento passa, 
Estala o chão e as portas batem, quando 
A noite cada nó em si deslaça. 

A hora da partida soa quando 
as árvores parecem inspiradas 
Como se tudo nelas germinasse. 

Soa quando no fundo dos espelhos 
Me é estranha e longínqua a minha face 
E de mim se desprende a minha vida. 

Sophia de Mello Breyner Andresen foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Sofhia de Mello Andresen