O perigo White Bloc
José Murilo de Carvalho
‘Baixou o espírito de George Bush sobre os
proponentes de leis que classificam como terrorismo os atos de
violência nas passeatas’
Os Black Blocs, ao minarem o apoio público às manifestações de junho
de 2013, prestaram um serviço ao governo e um desserviço à democracia. A
reação aos Black Blocs, que poderíamos chamar de White Bloc, com o
perdão do Ancelmo Gois, pode acabar fazendo a mesma coisa. As evidências
desse perigo estão por todo lado. A mais recente é a reação à morte do
cinegrafista atingido por um rojão no Centro do Rio de Janeiro.
Testemunhas visuais informaram que o artefato (creio que a palavra é
esta agora), vendido aliás livremente, era destinado aos policiais e não
ao jornalista, tendo este sido tragicamente vitimado pela
irresponsabilidade de um desastrado ativista, ao menos pelo que consta
até agora. O que se viu, no entanto? Uma gritaria generalizada, que
envolveu até o Palácio do Planalto, contra as ameaças à liberdade de
imprensa, coisa que não estava em causa. É mau jornalismo e mau agouro.
Na esteira do clamor, ressurgem propostas de leis drásticas que
classifiquem como terrorismo os atos de violência nas passeatas. Baixou o
espírito de George Bush sobre os proponentes dessas leis. Os que apoiam
o governo talvez estejam em pânico com o que possa acontecer na Copa e
nas Olimpíadas.
Não há terrorismo nenhum. Os Black Blocs são
conhecidos desde a década de 1980, quando surgiram na Alemanha (Der
Schwarze Block) e se espalharam por vários países. Foram e são
combatidos por ação policial adequada e pequenas alterações em regras de
comportamento em manifestações. No Brasil são uns gatos pingados, que
nas grandes capitais se aproveitam das manifestações para, em aliança
com outras pessoas interessadas em perturbações, porem em prática seus
métodos violentos.
Nada
que a ação de uma polícia preparada e pequenas adaptações no Código
Penal não resolvam. O despreparo da polícia é reconhecido pelos próprios
policiais, como mostrou pesquisa recente. Só quem não reconhece isso
são os governantes e os secretários de segurança. No Brasil, o
despreparo tem uma dimensão que ninguém menciona: a separação entre
polícia ostensiva e repressiva (militar) e polícia investigativa
(civil). Em aberração própria do Brasil, elas não só não trabalham em
conjunto como se hostilizam mutuamente. Melhoria na ação da polícia e
proibição do uso de máscaras e capacetes em manifestações públicas, como
já foi feito em outros países, seriam suficientes para enfrentar a ação
do grupo.
Mais do que isso — legislação antiterrorista, gritos de
democracia ameaçada — pode ter o efeito causado pelos Black Blocs:
prestar um serviço ao poder e um desserviço à consolidação de uma
democracia que consiga lidar com o protesto, preservados a integridade
física das pessoas e o patrimônio público. Contra a tática Black Bloc
não se deve usar sua equivalente, a tática White Bloc. Não somos um país
em preto e branco, nem a democracia o pode ser. Com permissão para usar
um lugar comum, não se preserva a liberdade com medidas liberticidas.