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12 de fevereiro de 2023

Torcida do Botafogo debocha da megalomania do Invencível Mengão

 Logo após o encerramento de Botafogo 2 x 0 Bangu, a torcida do Fogão deu uma hilária sacaneada nos bilhões de pacatos e ordeiros torcedores do Invencível Mengão entoando o mico histórico deles ao desafiarem o Real Madrid com o cântico mais desmoralizado da história do futebol, o inesquecível "Real Madrid, pode esperar que a sua hora vai chegar! '"

Somos, os Botafogo, irônicos, debochadas e rimos como ninguém de nossas próprias desditas.
É por coisas assim que digo que o Botafogo não é para os óbvios!

Até o escritor botafoguense Arnaldo Bloch debochou da risível megalomania rubro-negra:

Torcida do Botafogo hoje cantou “Real Madri pode esperar, a sua hora vai chegar”, em vitória sobre o Bangu.
Acho que a diretoria do Flamengo deveria se manifestar.
Pra tudo tem limite.



21 de janeiro de 2020

JUDEU QUEM, CARA PÁLIDA? (Textão de Arnaldo Bloch)

JUDEU QUEM, CARA PÁLIDA?
(Textão de Arnaldo Bloch)
Há uma tendência, às vezes fruto de confusão, outras de ignorância, ou permeada de aromas antissemitas, de se dizer que "os judeus" ou "a comunidade judaica" do Brasil apoiaram e apoiam Jair Bolsonaro.
Os judeus quem, cara pálida?
Chega a ser risível: sai a notícia de que o telefonema do embaixador de Israel ao presidente foi importante para a decisão de demitir Roberto Goebbels Alvim, e o pessoal logo deduz, e diz: "então, foram os judeus".
Por acaso o embaixador de Israel representa os judeus do Brasil? Ele representa Israel. Os israelenses. Inclusive os árabes-israelenses e os israelenses cristãos e os israelenses budistas.
Os brasileiros judeus são brasileiros. Se tiverem um problema em Nova York, em Tegucigalpa ou em Sidney, vão recorrer à embaixada brasileira.
Eu, por exemplo, sou um judeu brasileiro e o embaixador de Israel não me representa. Só o fará no dia em que eu emigrar para Israel e obtiver minha cidadania.
Sou sionista, e a favor da solução de dois estados para a questão palestina, desde que Hamas e outros grupos radicais reconheçam a existência de Israel e retirem de seus estatutos a intenção de tirar Israel do mapa.
Isso não tem nada a ver com o fato de eu ser brasileiro, botafoguense e eventualmente discordar de patrícios meus na diáspora (a dispersão, desde a expulsão romana há quase 2000 anos) quanto à política de Netanyahu.
Há com certeza um grupo forte de judeus brasileiros que apoiou Bolsonaro, de acordo com seu pleno direito de escolha e com determinadas convicções, em geral mais ligadas ao amor declarado do presidente (desde candidato) por Israel.
Esse amor se forjou e teve seu principal impulso na esteira dos neopentecostais, vulgos evangélicos, que sonham com a volta de Jesus a Jerusalém, quando os próprios judeus, de acordo com este corolário, aceitariam Cristo.
Esse grupo da comunidade é aquele que foi à palestra na Hebraica, e outras instâncias bem à direita, que existem em qualquer grupamento humano.
Paralelamente, há grupos de judeus progressistas, de perfil humanista, muito ativos nas redes sociais, como o Juprog ou o Judeus pela Democracia, este mais exposto nas ruas. Bem ativista, há um "Judeus contra Bolsonaro".
Judeus de direita, centro e esquerda, judeus petistas, tucanos, aliancistas, anarquistas, monarquistas e anti-política, pululam. E até não-judeus wannabe, que se disfarçam em hebreus contemporâneos de bizarras ascendências.
Na esfera religiosa, há congregações poderosas como a ARI, ultraprogressista e pluralista, e o grupo de Nilton Bonder, conservador nos ritos mas progressista na visão sociopolítica, com um braço cultural integradissimo ao Rio, o Midrash; e congregações ortodoxas, como o Beit Lubavitch, bastante fechadas e conservadoras politicamente, mas guardiãs da doutrina hassídica que remonta aos tempos do Czar.
Recentemente morreu o rabino Henry Sobel, da congregação de São Paulo, que dispensa palavras quanto à sua atuação na luta contra a ditadura.
Há também federações, como a Fierj (do Rio) ou a Conib (nacional), vira-e-mexe às turras entre si; o consulado honorário de Israel no Rio, extremamente influente, e organizações como a WIZO, só de mulheres.
Sempre que uma questão controversa se impõe, o pau come, e claro que essas diferentes instâncias, algumas estatutárias, outras individuais, formam e desfazem alianças, e o debate se dá, com as feições de Fla-Flu que todos conhecem nesses tempos bipolarizados.
Não há, contudo, uma entidade, uma sinagoga, uma congregação, uma federação, que possa (ou sequer ouse) reivindicar a posição de representante última da comunidade judaica do Brasil ou de qualquer cidade ou estado.
Como no Talmud, o livro da tradição oral, não há última palavra, e os sábios (e também os que nada sabem) divergem entre si o tempo todo, como deve ser numa democracia.
O judaísmo tem várias portas: religiosas, tradicionalistas, (multi) étnicas, culturais, de pertencimento a um povo, de sentimento nacional, culinárias, metafísicas e até mesmo ateias. Há judeus na Zona Sul, na Tijuca, em Jacarepaguá, no Méier e na Maré. Está na hora de, antes de falar, procurar saber. Mas isso é para todos os efeitos...

6 de dezembro de 2014

Botafogo é pai, uma belíssima crônica de Arnaldo Bloch

Botafogo é pai, uma belíssima crônica de Arnaldo Bloch
Botafogo é pai

Legado de família: um amor pelo Botafogo que despreza a frieza dos números 

Arnaldo Bloch

Peço licença para voltar após breve intervalo a falar de meu pai, que partiu há um mês. “Ele morreu”, avisou Leonardo, minutos antes de se apagarem, suavemente, sem agonia, os refletores de suas retinas, como se assistisse, da arquibancada, à sua própria saída de campo. “Você está me vendo?”, perguntou Iná, que passara meio século a seu lado. “Estou”, respondeu Leonardo, e foi sua última palavra. Quando Iná perguntou pela segunda vez, seus olhos estavam alvos, translúcidos, e seu coração já não pulsava. Se desta vez não foi possível salvá-lo de seu encontro com o desconhecido, ao menos Leonardo foi poupado de testemunhar, três semanas depois, o segundo rebaixamento de seu querido Botafogo, embora isso não fosse aborrecê-lo tanto assim: nas temporadas recentes, referia-se à equipe de General Severiano com palavras e frases de uma perplexidade exausta:
— É a isso que você quer que eu assista?
Ou, então, com a mão apontada para a TV e uma careta de estudada amargura:
— Fabuloso! Fabuloso!
Nas últimas rodadas de sua vida não se dava mais ao trabalho de ligar o aparelho quando eu propunha que acompanhássemos juntos um jogo, mesmo que fosse o clássico contra o Santos, que sempre o entusiasmara.
 — Que me interessa? — respondia, à moda da regência ancestral da família, alongando as sílabas para pontuar o tédio.
A cada uma dessas sentenças, olhava para minha cara como se me imputasse alguma culpa pela decadência alvinegra. A culpa, ele bem sabia, era dele, que escolhera o glorioso, bem verdade que num tempo em que fazia jus à alcunha. Era o time de toda a família, embora Adolpho, líder do clã, secretamente apostasse fichas paralelas no Flamengo por motivos que nada tinham a ver com paixão clubística.
— Quando o Flamengo ganha, é bom para o Brasil e vende mais revista — cochichava após algum triunfo rubro-negro mais notável.
Assim, quando acordei para a vida, já vestia a camisa de listras verticais alternando o preto e o branco. Do lindo escudo no alvo, altiva, avulsa, a alva estrela era cravada. Já contei, e reconto, da remota noite em que saímos do Maracanã após uma derrota e papai caiu, meio corpo, num buraco enlameado, arremedo de bueiro. Um senhor que passava ajudou a resgatá-lo.
Dali em diante — sabedor de que a vida alvinegra (ou seja, a vida) seria plena de percalços, poços pantanosos, derrotas e alguns dias de um luzir tão belo que quase não se crê — jamais lamentei uma das mais belas heranças que Leonardo me legou, desde menino: este amor que despreza a frieza dos números, que deseja a vitória mas não precisa dela para afirmar uma identidade terrena, na qual a fúria supremacista é a negação do real. Pois no real o belo não é um estado permanente, mas uma onda imanente, frágil lanterna a estudar os atalhos do caos.
Penso, junto com a memória de papai, nos que, confrontados com esse amor incondicional, resignado, na derrota ou na vitória, natural da cultura alvinegra, respondem com assertivas tolas como “o futebol é só um jogo”, ou seja, não faz parte da vida nem a influencia. Essas almas obtusas, que só conseguem enxergar no esporte o horizonte de conceitos algo medonhos como “hegemonia”, são as mesmas que chegam em casa de cara fechada após uma derrota, vão dormir sem beijar o cônjuge ou os filhos e se acham uns fracassados por causa daquilo que ora julgaram ser apenas um passatempo.
Quando fiz 13 anos, papai me deu um título de sócio-proprietário do Botafogo após adquirir um para ele mesmo. Décadas depois, quando o time descendeu pela primeira vez à Segundona, colhi os primeiros frutos de tão valoroso patrimônio ao receber uma carta de Bebeto de Freitas com uma proposta de anistia de uma dívida que somava pelo menos meia-dúzia de anos. Eu simplesmente me esquecera de pagar as mensalidades por um motivo reles: ao primeiro atraso, o clube parava de enviar os boletos e dispensava qualquer providência de cobrança.
Na carta enviada a uma horda de sócios inadimplentes, Bebeto propunha saldar a bolada com um único cheque de R$ 800. Em troca, eu me tornava integrante do programa Botafogo no Coração, e ganhava o direito de assistir a qualquer partida do Brasileirão no simpaticíssimo estádio de Caio Martins, em Niterói, em lugar cativo.
Naquela temporada, não perdi nenhum jogo em que o Botafogo foi mandante. E consegui arrastar papai para um, não me lembro qual, mas que terminou com vitória. Enfrentamos algum aperto na entrada.
O corpulento Leonardo, cujo ritmo de caminhada eu sempre tivera dificuldade de seguir, começava a dar os primeiros sinais de preguiça, mas resolveu o aperto passando um papo no bilheteiro. Enfrentamos aquela tarde-noite com bravura, e saímos de mãos dadas, comemorando. Não havia fossos de lama, e chegamos em casa imersos na paz.
Ainda sinto o cheiro de seu perfume de pai.
Há dias bons e ruins e não há vitórias que sejam para sempre. O Botafogo caiu. Papai subiu. Não é um jogo. É a vida.

Crônica publicada em O Globo