27 de setembro de 2021

SOBRE O EMPREGO DA PALAVRA FASCISMO - Antonio Risério

 SOBRE O EMPREGO DA PALAVRA FASCISMO

De passagem, aproveito para um esclarecimento aqui sobre os sentidos em que emprego a expressão fascismo. Porque tem um pessoal político-acadêmico aí procurando sempre dizer que não posso usar a palavra fascismo para falar da esquerda multicultural-identitária, até porque o fascismo estaria vinculado ao aparelho de Estado, como vi recentemente no programa de televisão chamado “Linhas Cruzadas” (TVE), onde uma apresentadora (chamada Thaís Ohama, se não me falha a memória) fez esta observação a propósito de uma declaração que dei, no que foi rebatida pelo jornalista Luís Pondé, argumentando corretamente com a prática do dirigismo mental e discursivo, que pode, sim, ser tratada como fascista. Bobagem da apresentadora. Na verdade, o que se quer evitar é que este ou aquele segmento de esquerda – no caso, a diversidentitária – seja tratado como fascista, como se a palavra devesse ser guardada apenas para caracterizações da direita e da extrema-direita. Bem: uso a expressão em dois sentidos. Quando falo de fascismo italiano, estou recorrendo ao conceito histórico, obviamente. Afora isso, emprego a palavra no sentido comum, corriqueiro, que ela assumiu na língua que falamos diariamente. Aqui, se a apresentadora citada trocasse o manual de politiquês pelo velho e bom Pai-dos-Burros, que é como as pessoas se referiam antigamente aos dicionários, ela se descolaria do burocratismo mental da academia – e entenderia perfeitamente o que quero dizer. Tome-se, por exemplo, o pai-dos-burros intitulado Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Vê-se ali que o sintagma fascismo tanto diz respeito a um tipo de regime como o instalado por Mussolini na Itália, em 1922, quanto à prática de tentar exercer forte controle sobre mentes alheias, vigiando, constrangendo e mesmo punindo pensamentos e condutas. É assim que falo de fascismo a propósito da violenta repressão identitária às liberdades de pensamento e expressão. Não só eu – alguns dos maiores intelectuais de nossa época, pretos ou brancos, mulheres ou homens. Camille Paglia, por exemplo, denuncia “o fascismo do movimento contemporâneo das mulheres”. E dá uma bela lição a todos: “Meu feminismo libertário, que toma o seu melhor tanto do liberalismo quanto do conservadorismo, mas não é decididamente nenhum dos dois, coloca a liberdade de pensamento e expressão acima de toda e qualquer ideologia. Sou primeiramente uma intelectual – e só secundariamente uma feminista”. Antonio Riserio

Nascido em Salvador em 1953, Risério é antropólogo, poeta, ensaísta e escritor. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, é autor, entre outros livros, de “A casa no Brasil”, “A utopia brasileira e os movimentos negros”, “Adorável comunista” e “O poético e o político”.

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