13 de novembro de 2016

A esquerda deveria ler sempre "O rio de minha aldeia", do grande Fernando Pessoa

Alberto Caeiro

XX - O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

XX

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
7-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
  - 46.

A esquerda deveria ler sempre esta obra-prima de Fernando Pessoa.
As pessoas comuns olham primeiro para sua família, depois para sua aldeia, depois... "Ninguém nunca pensou no que há para além/Do rio da minha aldeia."
Ter razão não muda o rumo da História, que é inconstante e não-linear.
Mas olhem, sempre primeiro, para o rio de sua aldeia, além de ser o mais bonito, é ali que estão as raízes dos homens, seus vínculos mais perenes.
Jesus Cristo foi batizado por João Batista no pequeno Rio Jordão, e não no imenso e imponente Nilo, logo ali ao lado. Pensem nisso.

Fernando Pessoa

Nenhum comentário:

Postar um comentário